O amor é tendência

Desenho de Ronaldo Fraga para a coleção para a coleção "e por falar em amor"

 O amor está no ar. Ou a falta dele está fazendo com que ele vire pauta. É a lei da oferta e da procura. Corações e o verbo "amar" foram usados deliberadamente nos últimos tempos. Quando "amo muito" virou slogan de rede de fast-food, a crise das relações afetivas se anunciou.
"Um livro de amor"
Cristiane Mesquita e Rosane Preciosa.
Dash Editora

Teoricamente, neste blog escrevo sobre moda. Como meu amor pela moda anda em crise, me chamou a atenção "Um Livro de Amor" ser escrito por Cristiane Mesquita e Rosane Preciosa, duas reconhecidas professoras e acadêmicas da área.

 A publicação é zero acadêmica. São anotações, trocas de e-mails, reflexões, confissões de duas mulheres. Textos à flor da pele. Em uma conversa por skype Cristiane e Rosane me contaram sobre o processo do livro e de quebra pedi para elas me explicarem como veem o amor no mundo moderno. No livro as autoras não identificam os respectivos textos, e então, nas aspas a seguir proponho a mesma dúvida ao leitor:

 "Por que falar sobre amor em 2015? Há uma questão amorosa muito forte no ar. Pensar em amor é um ato de resistência atualmente. A ideia de fazer o livro surgiu em uma viagem de carro. Também tem um pouco de ficção nesta viagem. A estrada é um signo. Um caminho. A escrita é o que me move. Uma das primeiras decisões foi não assinar os textos. Tinha o desejo de escrever de outro modo. Namorava a ficção. Aí me caiu a ficha que sempre escrevi sobre os meus amores e gostaria de dar algum alcance literário à esta produção. Foi gostoso fugir do mundo acadêmico.

Foi uma maneira de reagir a esta crise nas relações. Os textos são autobiográficos e ao mesmo tempo impessoais. São um ponto de interrogação. Tem a ver também com a transformação secular do feminino. E idem para o masculino. Fala também sobre um homem que transborda.

Os textos têm grande intensidade e exposição. Propõe sensações. Acho que estamos no momento que estamos reinventando as relações. E é difícil é achar gente com coragem para mudar. E ao mesmo tempo, tem muita gente perdida. Acho que ainda vai demorar para nos reorganizarmos. Há uma fenda nas relações humanas. Vivemos uma grande confusão. Tentei escrever para buscar entender, e me livrar da febre romântica que nos formatou. O amor como reciprocidade. A ideia de solidão. De 'ou tudo ou nada'. Há mais possibilidades entre esses dois lugares.

O amor tem uma coisa conturbada. É errar. É Viver'.

 

Trechos do Livro:

o poeta gritou no escuro do palco:
acaso existe alguém livre do amor

*

e essa sensação de desamparo quando afinal estiveram juntos e ele foi adentrando duro e fundo nos mistérios moles dela?
talvez  ela precise  aprender algo sobre distâncias, silêncios, solidões e saborear os intervalos. talvez distrair-se no talvez.

*

dia desses escrevi no meu caderninho: não suporto ficar no imaginário. eu preciso de chão. prefiro até os pequenos desastres, que fazem a gente se mexer de lugar.

*

ele sempre lhe diz que M foi seu grande amor
ela sempre responde que ele é seu grande amor de hoje

*

não sei nadar na superfície
sem chance de morrer na praia
o mar não tem tamanho
fascina-me o risco do mergulho

*

BOLO NO ESTÔMAGO

(porção para duas pessoas)
1 estômago
4 ovos
1 copo (bem cheio) de óleo
1 colher (grande) de fermento
sal a gosto

misture tudo lentamente por uma noite
não é necessário levar ao forno
sirva no café da manhã

 

***
Conversando com um amigo chegamos a conclusão que época de crise é um bom momento para encontrar um amor verdadeiro e avaliar as relações afetivas em geral (família, amigos). Sem os apelos que o dinheiro pode comprar sobram a companhia e a criatividade para não cair na mesmice. Crises são ótimas oportunidades para se reinventar porque a zona de conforto não existe.

Outro dia fui a um bar moderninho feito de contêiner na zona oeste em São Paulo e observei a dinâmica de dois grupos de solteiros. Era um feriado. Uma roda de moços solteiros de um lado, uma roda de moças solteiras do outro. Um observava o outro e teciam comentários provavelmente sobre quem pegariam ou não. A busca era evidente pela postura de ambos os lados. Conversavam com a(o) amiga(o), mas com olhares de soslaio permanentes, atentos ao movimento. Também era evidente que nas duas rodinhas os objetivos se assemelhavam: encontrar um grande amor, ou pelo menos uma noite bem acompanhado(a). Por timidez, orgulho, ou questões a serem tratadas no psicólogo, algumas horas se passaram e não houve nenhum movimento para a interação dos dois círculos. O medo da comunicação ao vivo é uma dura realidade.

Amar é contraproducente na sociedade em que vivemos. Quem ama muito não tem tempo para ser eficiente e gerar dinheiro. Werther e outros personagens da literatura, principalmente romântica, foram muito mal interpretados e fizeram um desserviço à humanidade, incrustando na cabeça da galera que amar é sofrer, amar é perdição, amar te tira do prumo. Tal conceito foi lapidado por Holywood, com a eterna promessa de um final feliz, que não considera os próximos capítulos da convivência diária. Assim, o inconsciente coletivo está em plena recuperação de anos do coma romântico.

O ideal antigo se confronta com as novas propostas de dramaturgia de séries de sucesso como Mad Men, Breaking Bad, Game of Thrones, Girls e outras que abordam personagens bem humanos. Nem bom e nem mau. Repugnante em um episódio, adorável em outro. Também, analisando alguns desenhos (me perdoem os intelectuais), notei uma mudança interessante em relação aos protagonistas. "Procurando Nemo" e "Meu Malvado Favorito" falam sobre o amor entre pai e filho(as). "Valente", além da ruivinha não ser uma gatinha do verão, é uma história sobre a amor entre mãe e filha. Em "Frozen", apesar da música chiclete, o que está em jogo é o amor entre as irmãs. E meu filme favorito deste ano: "Divertida mente", fala sobre o amor por nós mesmos.

Com "De Amor e Outros Demônios", Gabriel Garcia Marquez prova porque é um dos escritores que fala de amor de um  jeito muito real, ainda que sua literatura fosse classificada como "realismo fantástico". Ele costumava rechaçar este rótulo dizendo que escrevia sobre o que ele via na América Latina (e ele também dizia que escrevia para ser amado). O amor "latino" do colombiano surge em meio a uma realidade adversa e da convivência. Não há espaço para idealizações.

***
"Um livro de amor" foi uma das inspirações do Ronaldo Fraga para seu desfile de inverno 2016 no São Paulo Fashion Week. A coleção foi batizada de "E por falar em amor".

 

O amor realmente é tendência. Tomara que nunca saia de moda <3



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