Vamos falar sobre roteiro de não ficção?

Esse texto foi publicado originalmente no linkedin, e é uma reflexão sobre meu trabalho como roteirista de não ficção.



Tenho visto por aqui algumas postagens sobre roteiro de não-ficção e resolvi palpitar. Há 12 anos me dedico à projetos de não-ficção (leia-se reality, variedades e documentário) e posso assegurar que o papel do roteirista nesse segmento, principalmente em documentários, está bem longe de ser um consenso. E, na minha humilde opinião, deveria ser. Para abrir a reflexão listo os modelos de trabalho que já experimentei: .

DOCUMENTÁRIO

01 — Roteirista entra na pós-produção com a missão de estruturar o material bruto captado*

02 — Entra na etapa de pré-produção e planeja junto com o diretor (e equipe de pesquisa) o conteúdo a ser captado.

03 — Entra da etapa pré-produção desenvolve todo o conteúdo e entrega para o diretor captar.

04 — Entra na etapa de pré-produção, desenvolve o conteúdo com o diretor e faz as entrevistas no set.

05 — Entra na etapa de pré-produção, desenvolve o conteúdo com o diretor, faz as entrevistas no set e faz o roteiro do material bruto na pós-produção (o melhor dos mundos).

REALITY SHOW

(o roteirista também é chamado de Story Producer):

01 — Entra na pré-produção com a equipe de casting e pesquisa para estruturar as escaletas de gravação das possíveis histórias

02 — No set de filmagem: fica atenta aos acontecimentos e fica responsável por fazer os famosos depoimentos do reality (são eles que apimentam o conflito da narrativa)

03 — Na pós-produção: corta o texto e estrutura a narrativa do material bruto*, fazendo uma pré-seleção para o montador

04 — As três funções anteriores combinadas (também, o melhor dos mundos).

*estruturar o material bruto tanto em documentário quanto em reality pode ser feito de três maneiras:

I. em um arquivo de texto em tabelas de imagem áudio

II. na ilha de edição ao lado do montador ou assistente instruindo-o: “corta isso, deixa aquilo”

III. diretamente no software de edição.

Sou adepta da terceira opção porque é MUITO mais prática e rápida do que as duas primeiras. E ao contrário do que se possa pensar, só é preciso saber comandos básicos do software. Os montadores costumam gostar mais da segunda e da terceira porque já trabalham direto em uma timeline e não precisam ficar caçando os TCs no material bruto ;).

VARIEDADES/ INSTITUCIONAL

Esse talvez seja o caso mais bem resolvido da função do roteirista em projetos de não-ficção.

01- Na pré-produção: roteirista escreve as falas do apresentador/ narrador do projeto e eventuais pautas.

02 -Na pós-produção: Roteirista cria textos de off em cima do material bruto

03 — As duas opções anteriores combinadas

“Resolve na ilha”

Nesses anos teve de tudo. Vi projeto dar super certo porque teve roteiro desde o começo e um planejamento de conteúdo legal. Contudo, também vi projeto com premissa maravilhosa naufragar porque não teve planejamento de narrativa na pré- produção e o material captado no set foi ineficaz na pós-produção. E vi projeto bem planejado na pré e bem captado no set, derrapar na pós porque não tinham alguém com o olhar exclusivamente para o conteúdo na edição e o montador estava perdido e/ou sobrecarregado. Vi projeto dar super certo, as custas de muito desgate da equipe de pós-produção.

Roteiro para documentário é o que mais gera confusão. A herança do “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” de certa forma moldou a maneira de fazer documentário no Brasil. Se estamos falando de um documentário autoral sem questões de orçamento e prazo fixo de entrega o céu é o limite. Contudo, quando falamos de projetos comerciais com prazos de entrega (cada vez mais) restritos ter um roteirista desde o primeiro momento é muito importante porque ter um planejamento de captação do conteúdo poupa MUITO dinheiro e estresse no set de filmagem e principalmente na pós-produção.

Em tempos pós-pandemia, com os sets restritos, a criatividade do roteirista será ainda mais necessária para ajudar a criar a linguagem narrativa e de captação de projetos de não-ficção.

O roteirista é o arquiteto do audiovisual. Ele que cria o projeto da obra que será executada. O roteirista de não-ficção tem que ser tão ou mais criativo do que o profissional que se dedica à ficção, já que é preciso achar soluções a partir do que já está dado. E no final o objetivo de ambos é exatamente o mesmo: contar uma boa história.

PS: Ah! Na Argentina, onde estudei roteiro, o nome do roteirista entra na sinopse de jornal, ao lado do nome do diretor. Um dia a gente chega lá ;).

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