nus e crus

Já existe um reality show que simula o surgimento da humanidade. Adão, Eva, a serpente e a maçã.

Um amigo que está morando na Itália está acompanhando o programa e me revelou tal feito televisivo. Fiquei imaginando suas cenas antes de buscá-lo no YouTube. A premissa é a seguinte: trata-se de um reality show de namoro, no qual um homem e uma mulher são enviados sozinhos (tirando a equipe de TV) e completamente nus a uma ilha deserta para comprovar a teoria que quando um macho e uma fêmea são deixados a sós acontece a cópula. O slogan do programa é "um experimento para encontrar o amor em sua forma mais pura".

Adam looking for Eve

Contudo, a coisa é um pouco mais complexa. Sem conflito, não tem história, me ensinou certa vez um diretor argentino (e nem audiência, por supuesto). Outros representantes de cada gênero vão desembarcando na ilha, igualmente nus, para deixar aflorar as outras facetas da natureza humana, que não somente a vontade de se reproduzir. Segundo os relatos do meu amigo, houve uma cena que uma das "Evas" verbaliza seu espanto com o tamanho avantajado do membro do "Adão". Em outro episódio duas "Evas" foram comer a maçã juntas e deixaram o Adão a ver serpentes.

O programa é holandês. Foi neste país que surgiu o Big Brother. Um sagaz produtor de televisão teve a ideia de reproduzir na frente das câmeras uma experiência na qual cientistas ficaram confinados em uma estufa, quando o resultado humano foi mais intrigante do que o científico. Um outro reality chamado "Largados e Pelados", que atualmente está em exibição no Discovery, propõe a sobrevivência na selva, tal qual a dos nossos ancestrais das cavernas. Neste caso, o que está em jogo é a capacidade de sobrevivência mesmo e não o amor, como no concorrente holandês. Vale lembrar que nos dois programas imperam a tarja preta e o blur em cima dos "orgãos" dos participantes. Torço muito para que o pessoal da pós-produção esteja ganhando bem.

Quando comecei a frequentar albergues da juventude, comecei também a confrontar o pudor paradoxal que nós brasileiros temos com o corpo. Os Europeus, homens e mulheres, voltavam ao dormitório compartilhado enrolados na toalha e se vestiam com calma. Os companheiros de quarto igualmente europeus nem ligavam. Um outro amigo ficou chocado quando, em Barcelona, foi jogar frescobol com uma amiga que fazia topless. Ele que se gabava da coordenação motora digna do Posto 9 e de suas ideias prafrentex, perdeu de W.O. contra um par de seios "sem goleiro", nos termos dos meninos.

Outra vez, quando Trancoso ainda não era V.I.P., encontrei meu então chefe na praia, ambos em trajes de banho. A situação foi bem estranha, porque a surpresa de enxergar uma área de pele muito maior do que estávamos acostumados no dia-a-dia do escritório, durante alguns segundos, superou a cordialidade profissional. Neste dia cheguei a conclusão que os moradores de cidades litorâneas são conceitualmente mais relaxados do que os interioranos porque desmistificam desde cedo a iminente presença de peitos, bunda, tórax, e barriga desnudos no ser humano alheio.

O Brasil é a terra do biquíni, da sugestão, do duplo sentido, mas o  topless ainda está sob a regência da serpente. Só pode no Carnaval. Apesar disso, nunca foi tão possível ver nudez na televisão (e na internet, nem se fala). Um colega de trabalho comentou nostálgico que a saga para comprar uma Playboy não fará parte das memórias da geração Z. Além do Game Of Thrones (cujo sucesso ajuda a explicar os tempo atuais), os canais a cabo reservam faixas de horários "hot" bem acessíveis a adolescentes insones.

Um jovem artista americano chamado Evan Baden fez uma interpretação interessante. Depois de analisar exaustivamente o site de classificados craigslist e a plataforma de vídeo "sell your sex tape"(na qual você pode vender sua fita caseira de sexo por cerca de mil dólares), fez uma série fotográfica reproduzindo as poses e as posições mais comuns em ambas plataformas. A linguagem das fotos é ao estilo cupcake, propositalmente infantilizada e ultracolorida.

Technically Intimate (2008-2010) / Evan Baden©

As fotos do artista retratam a geração "surubinha", segundo rotulou um amigo em uma mesa bar. Segundo ele, os adolescentes e pós-adolescentes não tem nenhuma crise com a bisexualidade e nem com a exposição do próprio corpo na internet. Contudo, se para toda tendência existe uma contra tendência. A concorrência é com a "geração bocejo", gosta de dormir cedo, ter parceiro fixo e está mais interessada em afazeres retrôs (as duas podem dialogar neste livro de colorir ).

Voltando aos primórdios. Há a onda "paleolítica". Nunca tanta gente teve rejeição a glúten e a lactose. Uma amiga me contou que tal fenômeno é uma reação em massa aos alimentos industrializados. E que nosso corpo, derivado do macaco da selva, não é lá muito resistente e anda sofrendo o estresse de anos de alimentação inapropriada. Não à toa, a dieta paleolítica também virou febre. Nela os alimentos são prepados tal qual faziam nossos parentes das cavernas, mas com a enorme vantagem de não precisar caçar.

...O mundo anda cru e explícito.

Ah! Como todo reality show, o "Adão e Eva" segue um formato com gran finale. E neste, o casal formado segundo os instintos humanos primitivos se encontram, então, pela primeira vez... Vestidos.

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