MPL entrevista: Fernanda Yamamoto

Ela foi uma das personagens da matéria que fiz para revista Moda da Folha de S.Paulo, e para o blog resolvi contar um pouco mais sobre Fernanda Yamamoto. Essa jovem estilista estreou no Rio Moda Hype em janeiro, apresentando sua coleção inverno 2008, em junho continuou no evento e para criar as roupas do verão 2009 olhou para um retrato de família.

Crédito: Bira Soares/ Rio Moda Hype


Neta e bisneta de japoneses, até os 23 anos ela era dona de uma trajetória bem comum na vida de descendentes de japoneses. Foi criada na Vila Mariana, bairro que concentra muitos nipodescedentes. Estudou no tradicional Colégio Bandeirantes, um dos mais rígidos de São Paulo, de lá foi para a concorridíssima Fundação Getúlio Vargas.

Na “GV”, como é apelidada a faculdade, já demonstrou que não seguiria o caminho do mundo corporativo. Chegou a trabalhar com a família que tem uma empresa de venda por catálogo, mas foi na Fundação Gol de Letra, do jogador Raí que se fixou por aproximadamente 2 anos.

Pronta para administrar empresas viu que não estava feliz com aquele caminho. E “intuitivamente” se arriscou na moda. Procurou um curso de menor duração e de um curso sequencial da Faap saiu com uma bolsa para a Parsons the New School for Design. Na volta passou pela empresa de Alexandre Herchcovitch. Contudo, tudo se encaixou quando viu que com um trabalho mais autoral a realização seria mais completa.

Perseverante e muito consciente de que o caminho no mundo da moda se constrói tijolo por tijolo, ou melhor, ponto a ponto, Fernanda entende a moda como um todo, e revela um pouco de sua visão sobre o assunto e sobre o mundo, nessa entrevista feita metade ao vivo, metade por e-mail.

Você é parente do Yohji Yamamoto (não resisti) ?
Não sou parente dele. Yamamoto é igual Silva no Japão. Acho que se ele me conhecesse ia estranhar esse “Fernanda“.

Quando deu o estalo que seu negócio era moda?
O estalo na verdade acabou saindo mais tarde. Acho que veio mais com a maturidade e percepção de que era fundamental ter paixão pelo trabalho. Minha história é bem diferente daquela “vestia minhas bonecas e amigas”. Estava insatisfeita profissionalmente, posso dizer que até meio “perdida” e resolvi repensar a carreira. Intuitivamente resolvi tentar a moda. Comecei alguns cursos e descobri que gostava daquilo.

Você não era do tipo que desenhava maravilhosamente bem na infância?
Desenho nunca foi meu forte. Até hoje pra ser sincera não sou uma grande fã de desenhar como ilustradora, desenho livre. Prefiro os desenhos técnicos no computador (Ilustrator/ Corel). Dá pra ser milimetricamente exata.

Projeto FAAP-Moda 2004




Créditos: Amanda França/ Moda Almanaque

Como foi o curso?
Foi importante para aquele momento em que estava começando. A Faap tem uma estrutura boa, alguns professores excelentes, mas acho que o curso como um todo deixa a desejar. Eles acabam vendendo o “sonho” de que você vai entrar lá, passar 2 anos tranqüilos e depois vai ter a sua marca. Mas a realidade não é bem assim né. Hoje ainda estou ligada à FAAP porque faço uma pós graduação em Direção de Criação em Moda.

Como surgiu a oportunidade de ir para Nova York?
Foram dois concursos chamados “Faap Moda” que participei. Alunos e ex-alunos do curso seqüencial podiam participar. É uma das iniciativas bacanas da FAAP. Participei das duas primeira edições e acabei vencendo ambas. Eles fazem uma pire-seleção e depois você confecciona quatro modelos. Tem um mini-desfile com jurados escolhidos pela faculdade. O curso era de dois anos. Fiz um ano e fui para Nova York.

FAAP-Moda 2005 - bicampeonato
Coleção inspirada na animação "A Viagem de Chihiro"



Crédito: Divulgação/Terra

Você estudou na Parsons. Muita gente que quer estudar moda sonha com um curso no exterior. Qual a diferença dos alunos de lá e daqui?
O curso que eu fiz na Parsons não foi o bacharelado. Como eu já era formada, optei por um curso que é uma especialização em moda para estudantes que já tenham graduação em outras áreas. A média de idade era de 28 anos, e no geral as pessoas já tinham certa experiência profissional em outras áreas (principalmente de áreas relacionadas, como artes plásticas, arquitetura, ilustraçãoetc). Outras, como no meu caso, tinham formação em áreas completamente distintas, mas todas com o desejo de ter uma formação intensiva e mais rápida em moda. A maior diferença que vi dos alunos de lá e do Brasil é que 99% das pessoas levam a coisa muito a sério. Gente que estudava, trabalhava e produzia num ritmo muito mais intenso do que aqui a maioria das pessoas estão acostumadas.

E a qualidade de ensino?
Muito boa. Foi lá que eu acabei tendo as ferramentas para entender melhor a moda. O curso era extremamente puxado. Eles dão bastante ênfase na parte técnica e fazem você colocar a mão na massa. Mesmo que você não goste, tem que fazer.

Você chegou a trabalhar em Nova York?
Fiz estágios. Os estágios fazem parte do currículo, ou seja, você ganha créditos dependendo da carga horária de trabalho que era de 1 ou 2 vezes por semana. Os estágios lá são relativamente fáceis de se conseguir, e são “estágios” mesmo. Fiz no showroom do Tufi Duek, e na Calvin Klein.
Acho que o mais legal é que os estágios dêem oportunidades para quem está começando e estudando moda de vivenciar o dia a dia de um profissional. Eu não trabalhei no estilo, não desenhei, nem criei nada nos estágios que fiz, mas com certeza pude entender melhor como o “todo” funciona, e ter contato com profissionais da área. Acho que quanto mais a pessoa tiver contato com a indústria, melhor ela vai conseguir decifrar o que quer fazer na moda e entender em que área da moda se vai trabalhar. Nem todos serão ou tem perfil para ser um estilista. Os estágios são pra isso.

Estudar no exterior faz diferença mesmo?
Acredito que o aluno é quem mais faz a diferença. Ter estudado lá tem algumas vantagens claras: conviver com pessoas do mundo todo, com experiências, formações e culturas distintas é um diferencial. E estar em um grande centro de moda também faz diferença. Lá se tem acesso a tudo: a matérias primas incríveis, a exposições, mostras, desfiles, estágios, etc Para exemplificar, história da moda e desenho a gente aprendia no Metropolitan Museum. Mas isso só vai fazer a diferença se o aluno souber aproveitar. Acredito que moda é a sua história, é você traduzir o que você vê, sua bagagem. E morar fora é uma bagagem, que você pode traduzir para o seu trabalho.

E sua vida em Nova York como era?
No primeiro ano morei no dormitório da Parsons, perto do Wall Street. No segundo ano, aluguei um ap em Jersey City com uma colega coreana que conheci no curso. Mas acho que o mais importante era que eu ficava 24/7 respirando moda e afins.

Na volta ao Brasil, você trabalhou no Alexandre Herchcovitch, né?
Sim. Trabalhei por quase 1 ano. Entrei como estagiaria, separei botões por 2 meses. Depois fui efetivada e comecei a cuidar da parte de oficinas, fichas técnicas, contato com fornecedores. Não trabalhei diretamente com o Alexandre no Estilo, nunca fui assistente dele. Mas acredito que observando, vendo como as pessoas trabalham e como o todo funciona foi muito importante.

Aí viu que era hora de abrir sua marca?
Nesses quase 6 anos que estou estudando e mergulhando na moda, eu achei que era a hora de começar a expressar a minha própria visão, porque meu background é bem diferente (administração na GV) dos novos estilistas.

Como conseguiu entrar no line-up do Rio Moda Hype?
O Rio Moda Hype tem um processo seletivo. Mandei um projeto para eles nas 2 edições e fui selecionada. Mandarei novamente para a próxima edição!

Rio Moda Hype
Inverno 2008





Crédito: Bira Soares/ Divulgação Rio Moda Hype

Seu trabalho com tecido é bem detalhista. Desde o começo isso é uma marca no seu trabalho?
Eu não acho que essa é minha marca registrada, mas eu sinto que o trabalho tem uma coisa bem peculiar de mim. Acho que porque ainda estou no começo não sei exatamente definir, tudo é meio camaleão, mas tem diferentes fases. É intuitivo e técnico ao mesmo tempo. É um processo de auto descobrimento. A mistura de tecidos é bem forte no meu trabalho. Tecidos que não ficariam bem juntos. Então tecidos mais sofisticados. O que é bem forte no meu trabalho é misturar tecido mais fino, mais sofisticado com tecido mais barato. Porque aqui é muito difícil agente não tem acesso.

Como é seu processo de criação?
Sempre tem um ponto de partida, um desejo, uma imagem, algo que me interessa no momento. Meu processo de criação é bastante técnico. De experimentação, fazer moulages descobrir formas novas, texturas novas. Envolve bastante pesquisa, e muito trabalho. É 99% transpiração, 1% inspiração...rs





Você viaja para pesquisar tendências?
Costumo fugir das tendências. Meu trabalho é guiado pelo que gosto, pela minha imaginação, pela minha bagagem,vontades no momento.

Como foi a pesquisa para as duas últimas coleções?
É um processo um pouco complexo e difícil de descrever. Mas é um conjunto de trabalho, experimentações, intuição/ referências que acabam convergindo e dando certo.

Seu trabalho tem um dna oriental bem visível. Isso é proposital?
Não é proposital. É fluido, é parte da bagagem própria, e eu tenho forte essas raízes orientais. No meu último trabalho da FAAP me inspirei no filme “a viagem de Chihiro” do animador japonês Hayao Miyazaki.

Na coleção de verão a inspiração no Japão é mais explicita, né?
Quis fazer uma homenagem ao centenário da imigração japonesa no Brasil e de alguma forma trazer um pouco das minhas origens para o meu trabalho. O ponto de partida foi a foto do casamento da minha bisavó, mas misturei alguns outros elementos típicos da cultura japonesa, como os origamis, quimonos, desconstrução da alfaiataria tradicional, etc, mas tentei não fazer uma interpretação de Japão mais caricata e óbvia que muitas vezes se vê. por isso fugi dos quimonos coloridos,das cores tradicionais (vermelhos, alaranjados) e das estampas japonesas floridas e coloridas, sabe? As minhas estampas foram os listrados que apareceram nas tricolines, no cetim, e e fiz uma textura no cetim de umas listras em relevo.

Foto do casamento da bisavó


Você já foi ao Japão?
Sim. Fui para passear e em função da moda. Fui quando estava em Nova York.
Eu me identifiquei bastante, mas é um cultura muito diferente da Brasileira. Os japoneses são extremamente reservados. E é uma loucura ver todo mundo igual. Apesar de ter a aparência parecida eu não falo a língua e me senti uma completa estrangeira. As pessoas olham para mim e falam em japonês e eu me sentia uma analfabeta lá. Me assustei com a quantidade de gente. Tudo lá é pensado em termos de cores e de cheiros.

Rio Moda Hype
Verão 2009








Já pensou em vender por lá?
Penso em vender para lá. Por enquanto ainda estou no começo. A coleção de inverno foi minha primeira coleção comercial. Fiz uma produção pequena de 150 peças e vendi quase tudo.

Até agora, com sua experiência de venda já dá para definir um perfil de consumidoras da marca?
Mais ou menos. Estou num processo de experimentação. Mas com certeza é um mulher com personalidade e que não tem medo de experimentar.

Rio Moda Hype
Verão 2009






Crédito: Divulgação/ Fernanda Yamamoto

Você trabalharia para outra marca?
Se eu pudesse conciliar o trabalho para uma outra marca com o meu trabalho autoral, sim. Hoje, em paralelo, sou assistente do Jum Nakao em projetos pontuais.No momento estou em dois projetos com ele: um figurino para um espetáculo e uma coleção comercial masculina para um marca.

As estilistas ganham um troco extra fazendo vestido de noiva. Como você faria um vestido de noiva?
Hmm.. nunca parei pra pensar em vestido de noiva. Quem sabe o meu em 2010...hahaha

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Site: http://www.fernandayamamoto.com.br/
Flickr + vendas on line: http://www.flickr.com/photos/fernandayamamoto/
Ateliê:
R. Maestro Cardim, 377 cj.11
Bela Vista- São Paulo
Tel: (11) 3287-7637
* com horário marcado

Comentários

  1. Lau, que entrevistão!!!! Confesso que não li de cabo a rabo, mas gostei muito do que vi. Parabéns!!! :-)

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  2. nossa ela é um exemplo pra mim!
    quando eu falo que quero fazer moda, todo mundo me fala 'meu, vc tá no bandeirantes, se liga..' huahuahua
    mas nada a ver :D
    adorei a entrevista!

    bjss

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