Algo se torna clássico quando serve de referência para o vem depois; quando está a cima da divisão do tempo. Assim foi “A costura do invisível”, o desfile que o estilista Jum Nakao apresentou em julho de 2004.
No show mais marcante da história da moda brasileira, Jum Nakao e sua equipe questionariam a necessidade de desconstruir conceitos para construir um pensamento mais livre. Foi uma quebra de paradigmas. A moda foi o veículo para um debate cujas fronteiras são delimitadas pelo pensamento de cada indivíduo.
Na última sexta-feira, Jum Nakao e o músico Paulo Beto contaram um pouco da trajetória da apresentação histórica no Espaço Cultural Fundação Japão em São Paulo. Na palestra, também inovadora, os dois ficavam atrás de uma tela. Enquanto Nakao projetava desenhos, fotos e vídeos e Beto fazia a sonoplastia.
O desfile
Em julho de 2004 os jornalistas que entram na sala para ver o desfile receberam um release contanto que o criador iria apresentar uma coleção na cor branca, inspirada no século XIX e feita com tecidos tecnológicos.
A proposta de Jum Nakao uniu a moda artesanal do século XIX, com a reprodutibilidade técnica do boneco de plástico playmobil, com a efemeridade do papel. Da união dos três saiu uma reflexão – “A costura do invisível”.
O desfile começou e “fadas” com roupas feitas de papel e uma peruca que lembrava o cabelo do brinquedo playmobil entraram na passarela para surpresa dos espectadores. Uma atmosfera onírica foi instalada. Depois de contornar o cenário também feito de papel as modelos pararam em fila indiana e rasgaram as roupas. Uma cortina de realidade se abriu diante do sonho.
Para alinhavar os conceitos, no entanto, foi preciso de algo muito visível: o dinheiro. As industrias de papel e celulose foram as primeiras empresas procuradas, o interesse pelo projeto só aconteceu depois do desfile. A segunda tentativa foi na área de educação, o êxito foi maior, o SENAC e a FAAP abraçaram o projeto. Outro apoiador foi a Red Bull. Meia tonelada de papel e 700 horas depois a coleção estava pronta.
“Todas as pessoas que estavam no ateliê ficaram impressionadas, com a sensação de terem trabalhado para algo inovador”, contou o estilista durante a palestra.
As modelos fizeram a prova de roupa sem entender nada e a equipe de Jum Nakao falou que aquilo era apenas molde e que os tecidos ainda não haviam chegado. Só pouco antes do desfile ficaram sabendo que deveriam rasgar as roupas. No vídeo que mostrou no telão, a expressão de horror no rosto das manequins ao saber das notícias.
Para mostrar o dia do desfile a trilha sonora escolhida tinha batidas secas e repetitivas para das o clima de suspense.
Conclusões
A apresentação durou cerca de uma hora e terminou com as conclusões sobre o trabalho. Fica difícil definir uma única. Jum Nakao falou várias frases com doses de semiótica que levam nosso pensamento para outro plano:
Não adianta ter um computador de última geração se não tiver a intenção de para que usá-lo
O invisível está no olhar do espectador
Depois que o desfile acabou um jornalista amigo disse que eu tinha feito ele olhar com os olhos da alma
É importante e ousar, acreditar, desnudar a alma
Em relação a sua carreira Jum disse que não cria expectativa sobre o que os outros vão pensar. “Não tenho tempo para depressão pós-parto”, falou brincando.
O estilista não apresenta mais suas coleções no SPFW e hoje realiza diversos trabalhos não restritos apenas a moda. Também faz design de produtos para empresas, direção de arte para cinema e palestras em outros países.
Vale destacar que ele desenvolveu algumas peças do figurino da micro-série “Hoje é dia de Maria” exibida pela rede globo. Um dos programas mais sofisticados que a tevê brasileira já exibiu.
Em 2005, ano do Brasil na França, o desfile foi reproduzido. O público francês tradicionalmente frio e esnobe também se rendeu. Há planos de reproduzir o desfile no Japão.
O mundo busca costurar o invisível.
***
Crédito das imagens:
palestra - Laura/ Moda pra Ler
Desfiles e figurino - Site oficial do Jum Nakao
Quando a moda se transforma em arte, no seu estado mais puro...
ResponderExcluirBeijinhos de boa semana!
A-DO-REI!!! Arrasou na matéria! Parabéns!!!
ResponderExcluirLaurinha que lindo isso. Esse desfile foi mesmo tão lindo quanto marcante. Adoraria ter visto a palestra, pela sua matéria deve ter sido encantadora!
ResponderExcluirbjos
Num tem pra onde. Jun Nakao é maravilhoso!!!
ResponderExcluiroh, eu tb estava lá (mas perdi a outra que aconteceu na fundação na quinta passada... :// se vc tiver ido, seria legal outra matéria hehe)! pela direção das fotos, acho que eu estava do lado oposto. rs
ResponderExcluirmas finalmente consegui ver essa palestra, foi realmente única, uma das melhores que já vi (até porque não era uma simples palestra, mas uma instalação de arte completa).
pena que era difícil anotar td que o jum falava naquela escuridão rs. de qualquer forma, a experiência do desfile e dessa apresentação marcam mto, não preciso anotar nada para lembrá-las. :)
as metáforas e os conceitos que ele usou se encaixavam tão perfeitamente que nem havia espaço pra questionamentos no final... incrível, incrível. :)