Modernistas durante a semana de 22
Há 85 anos o jeans não era o sinônimo de liberdade e a guitarra elétrica não era o hino da rebeldia. Ainda se usava chapéu e as moças tinham acabado de se livrar do espartilho. A contracultura da época era expressa por prosa, verso e pinceladas.
Em fevereiro de 1922, mesmo com as formalidades de vestuário, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald Andrade, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret, Villa Lobos, entre outros, representavam a vanguarda da cultura brasileira. Entre os dias 13 e 17 de fevereiro esses artistas discutiram os rumos da arte brasileira e mostraram suas obras no Teatro Municipal de São Paulo.
Antes de falar de moda, vale relembrar o que foi esse acontecimento.
Lembra quando a São Paulo Fashion Week começou e muito se questionava o que é o DNA Brasil na criação de moda?
No caso da Semana de Arte Moderna o debate foi mais ou menos esse, só que relacionado a todas artes num evento organizado só para essa discussão.
Enquanto na Europa fervilhavam os movimentos: futurista, dadaísta, expressionista, surrealista e cubista, esses artistas brasileiros também tentavam romper com a estética tradicional e acadêmica enraizada em conceitos que vinham, sobretudo, da Grécia e da Roma Antigas.
O que mudou?
Rompeu-se com a estética acadêmica e a arte pôde ser mais livre e brasileira. A Tarsila e o Di Cavalcanti, por exemplo, olhavam as cores vivas da natureza e a realidade social brasileira e reproduziam-nas em seus quadros. Os poemas de Mario de Andrade não seguiam as normas e métricas antes exigidas.
Oswald de Andrade por Tarsila do Amaral; "A Estudante" de Anita Malfatti e Mario de Andrade por Lasar Segall
O que não mudou?
Os modernistas brasileiros poderiam ser designados como “hype”, “underground” ou “cool”
Depois de defender tanto a cultura brasileira certamente eles não gostariam de receber denominações em inglês. Na época era o francês que dominava. Eram então: “avant garde”.
Os galicismos foram trocados pelos anglicanismos. Nesse ponto a Semana de Arte Moderna ainda não teve o êxito pretendido. Os traços da colonização e a ode a arte clássica ainda não foram extintos.
É comum as pessoas dizerem “até eu pintaria isso” ao se referirem a um pintura moderna. Nos edifícios novos ditos de “alto padrão” há colunas greco-romanas – numa tentativa de retomar o que era chic na França do final do século XIX.
A Conta
Antes de existir Lei Rouanet e outras de incentivo fiscal para o estímulo à cultura, os artistas tinham que contar com a boa vontade de pessoas endinheiradas e, claro, ilustradas, para conseguir realizar suas obras. No caso dos artistas de 22 não foi diferente. Anita Malfati e Mario de Andrade, por exemplo, tinham o apoio de, Olívia Guedes Penteado, Paulo Prado e de outros que dão nome a algumas ruas de São Paulo.
Mamãe me dá essa lua”
Ser esquecido e ignorado
como esses nomes de rua
(Mário de Andrade – Lira Paulistana)
A Moda
Se em 1950 Gilda de Mello e Souza publicou um doutourado sobre o tema e foi um fuá porque todo mundo achou que ela era uma dondoca fútil, vinte e cinco anos antes a situação era pior. Na Bauhaus, nos mesmos anos 20, o laboratório de tecido não deu certo porque as mulheres estavam começando a requerer seus direitos e não queriam se associar a atividades tradicionalmente femininas como a tecelagem.
Na semana de arte de 22 não teve nenhum estilista participando, mas certamente as roupas dos participantes eram ousadas e estilosas. Heitor Villa-Lobos apareceu no palco do Teatro Municipal apoiado em um guarda-chuva e usando chinelos
A lista de mais bem vestida, no entanto certamente foi encabeçada por Tarsila do Amaral. Ainda que não estivesse presente nos eventos da semana, a amizade da musa do modernismo com o estilista francês Paul Poiret, bem como seus auto-retratos apontam para esse caminho.
Em um de seus auto-retratos mais famosos o “Mantô Rouge”ela veste um vestido de Jean Patou. A mini-serie da rede Globo “Um só coração” retratou bem o estilo da pintora paulistana.
Ela conseguia unir o extravagante e o discreto. Adorava roupas coloridas. O cabelo puxado para trás era para destacar os acessórios. Seu visual também era a sua arte.
***
Para concluir esse post sobre a Semana de Arte Moderna de 22 um poema de Mario de Andrade em que ele zomba do estilo francês.
“Inspiração” faz parte do livro “Paulicéia Desvairada”, lançado logo após a Semana de Arte Moderna
INSPIRAÇÃO
Mário de Andrade
São Paulo! Comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de
original...
Arlequinal!...Traje de losangos... Cinza
e ouro...
Luz e bruma...Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem
ciúmes...
Perfumes de Paris...Anys!
Bofetadas líricas no
Trianon...Algodoal!...
São Paulo! Comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da
América!
É sempre bom lembrar de outro modernista de primeira hora, Flávio de Carvalho, performático arquiteto e artista plástico que, em 1957, lançou seu "traje de veraõ" adaptado ao clima brasileiro. A roupa era unissex, já que não havia mais diferença social sognificativa entre homens e mulheres segundo Flávio. A saia e a camisa aberta debaixo do braço para ventilar causou escândalo no centro de São Paulo, muito embora o "desvairio" da semana de arte já tivesse completado 25 anos.
ResponderExcluirgenial!!
ResponderExcluirLaura para professora de história da moda AGORA!!! :-)
ResponderExcluirParabéns, os posts de história têm sido incríveis, mesmo.
Bjos!
Então, vale pontuar questões em seu post.
ResponderExcluirA Gilda de Mello e Souza, defendeu sua tese de doutorado em 1950, e não mestrado.
Outro detalhe importante, é sobre a roupa da Tarsila. Já que não fazia sentido usar um estilista francês, visto que eles estavam tentando construir uma identidade brasileira. Porque não, então, usar uma roupa brasileira, produzida e pensando no Brasil?