"Em japonês curar é te-ate que significa colocar às mãos. A expressão vem de uma época anterior à medicina moderna, em que se acreditava que apoiar as mãos sobre um ferimento promovia a cura".
O trecho foi retirado do best-seller "A Mágica da Arrumação" escrito pela japonesa Marie Kondo. Um fenômeno. A capa anuncia mais de 2 milhões de livros vendidos.
Irwin Wong©/ The Times UK
O Japão ocupa o topo da minha lista de "viagens do sonhos". Acho que tudo começou quando toquei pela primeira vez nos livrinhos "Comme des Garçons" e "Yohji Yamamoto" da coleção "Universo da Moda" publicados pela finada Cosac Naify. Além da moda arrojada, o rigor nos processos de trabalho e a organização da sociedade japonesa são igualmente admiráveis. Aparecem nos mínimos detalhes.
Um amigo que morou alguns anos em Tóquio certa vez trouxe presentinhos arrematados em lojas tipo "de 1,99" de lá. Entre eles estavam um chiclete que vinha com papeizinhos para embrulhar a goma mascada e uma espécie de cinto com um cinzeiro acoplado para o fumante não jogar a bituca no chão. O cuidado dos japoneses com o lixo foi explicitado durante a Copa do Mundo no Brasil. Mesmo em solo estrangeiro eles limparam as arquibancadas após a partida.
O "Método Kondo" apresentado no livro está baseado em manter na casa somente os objetos que promovam alguma sensação alegria. Segundo os relatos da autora, seus clientes chegam a descartar dezenas de sacos de lixo tamanho G repletos de coisas. Ao longo das 158 páginas ela relata as vitórias que promoveu. No melhor estilo Star Wars, "que a força esteja com você", ela funciona como interlocutora da vontade de transformação que já habita o contratante.
A organizadora profissional começa a arrumação pelo guarda-roupa, depois segue para os livros, discos, documentos e por último cartas e fotografias - os itens mais difíceis de desapegar, segundo ensinou sua experiência. Começa com o espalhar de cada setor no chão. O trabalho deve começar e acabar numa tacada só. Nada de "depois eu termino". O acumulador/ bagunceiro deve manipular cada uma de suas posses. A reação espontânea do corpo ao tocar no objeto vai dizer se vai ou se fica.
Propondo uma imagem que beira o cômico, Marie Kondo também sugere agradecer diariamente aos nossos pertences por nos servirem. Os sapatos por terem aguentado nosso peso. O casaco por nos aquecer. A moral da história é valorizar cada coisa como uma pequena conquista pessoal. Outro conselho é colocar a organização na rotina do dia-a-dia. Tão trivial como escovar os dentes. Não deixar tudo largado na sala. Colocar cada coisa em seu lugar. A movimentação não tarda mais de cinco minutos e poupará horas futuras de chateação. No Brasil, como bem mostrado no filme "Que Horas ela Volta?", a sugestão de Kondo pode parecer surpreendente para muitas pessoas acostumadas a terceirizar a organização pessoal para a empregada doméstica.
O remédio contra o lugar comum é feito com doses de empirismo. Ver os filmes, ler os livros, observar os quadros, vivenciar, conviver, antes de celebrar ou criticar apoiando-se em opiniões alheias (como diria a música dos Los Hermanos: "Toda Folha elege alguém que mora logo ao lado e pinta o estandarte de azul"). Coloquei o Método Kondo em prática. E sim, a despeito do preconceito que sofrem os best-sellers, ele funciona. Não guardar as meias em bolinha e enrolar as camisetas em canudinho abrem de fato uma nova perspectiva de espaço no guarda-roupa.
Os anos de bonança e de fúria consumista deixaram as casas abarrotadas e as vidas desorganizadas, sem foco no essencial que "é invisível aos olhos" - como diria o Pequeno Príncipe. Os livros de autoajuda mais vendidos, assim como a moda, são sempre um ótimo termômetro para dar um diagnóstico da sociedade. Os livros relacionados a carreira, tipo "O Monge e o Executivo" e "Como fazer amigos e influenciar pessoas", ainda figuram no TOP 20 de mais vendidos. Contudo, foram desbancados por um livro que ensina a desapegar e a organizar baseando-se no afeto. No mínimo é um movimento interessante. Se todo mundo o ler e colocar o "Método Kondo" em prática fica a pergunta: para onde vão tantos objetos que jamais tiveram algum significado?
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