As entrelinhas das parisienses

O estilo de vida das parisienses vêm servindo de inspiração há pelo menos quatro séculos. Atualmente mulheres como Emmanuelle Alt, Charlotte Gainsbourg e Carine Roitfeld ocupam um posto que já foi de Maria Antonieta e popularizaram "o chique sem esforço" (não era exatamente o caso da Rainha). Unindo mais este clichê a tantos outros que permeiam a cidade luz, quatro nativas lançaram "Como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo".  Uma das integrantes do quarteto é Caroline de Maigret, musa do normcore e embaixadora da Chanel.

Caroline, Anne, Sophie e Audrey
O livro já é um best-seller. Tem 250 páginas graças ao espaçamento triplo entre os parágrafos, as páginas em branco e fotos um pouco aleatórias. Todo o conteúdo não somaria mais 100 páginas... Mas, calma. Meu mau humor com a diagramação do livro e com o conceito de autoajuda siga-meu-estilo-de-vida-e-você-será-feliz foram contornados por algumas dicas das autoras, politicamente incorretas inclusive. A começar pela capa. Uma ilustração de uma mulher segurando um copo e um cigarro aceso. Clichê estético difundido pela Nouvelle Vague. Mais um pra lista. Em Paris, na visão delas, o fumante preserva alguma dignidade. O livro me pareceu um misto de caderno de notas, revista feminina, livro de receitas, de autoajuda. Uma caos de formatos bem divertido.


montagem feita no celular

Ao contrário do que a priori possa parecer, o estilo de vida vendido por estas parisenses  não passa pelo conceito de glamour nouveau riche, pautado no consumo excessivo e pelas alas VIPs. Segundo as autoras, as parisienses andam de metrô e de taxi. Não gastam muito dinheiro em roupa. Não têm babá. Não fazem plástica (se fazem, não divulgam). Gostam de livros, de boa cultura e de discutir política.

Tais hábitos aparecem nas entrelinhas dos textos para a catequese do estilo de vida parisiense. Separei um pot-pourri (não resisti à oportunidade de usar um galicismo) de trechos para comprovar minha teoria:

Ela quer chamar a atenção, mas apenas com o que diz. Sinais exteriores de riqueza intelectual.

Cultura é como consumir produtos frescos: deixa a pele rosada

A parisiense sempre tem uma boa razão para estar sentada em um banco de praça: 
Quando ela correu cem metros atrás de um ônibus que não conseguiu pegar e ficou sem fôlego em consequência deste esforço físico inesperado.

Você é parisiense, ou seja, melancólica (...) Você está sentada sozinha no restaurante. Não marcou com ninguém, apenas consigo mesma. Com seu livro sobre a mesa, você fixa seu olhar no horizonte, sem focar nada, sem ouvir risos ao seu redor".

Vídeo, em inglês, ilustra algumas cenas descritas no livro:




A peça nobre não é "chamativa", ela é a um segredo. Uma peça atemporal. Acima da moda. Que não seja exagerada, que não exiba a marca. Porque tudo que parece com letras do alfabeto é literatura reservada para os painéis dos oftalmologistas. Para a parisiense, o luxo também não deve ser exibir o seu nome.

A cirurgia (plástica) não é, como em alguns países, um sinal exterior de riqueza. Seu maior trunfo é ser imperceptível, e é por isso que não se comenta sobre isso em Paris.

A beleza na França é epidérmica. A maquiagem, pouco importa. O que conta é o que está acontecendo por debaixo dela. Faça o melhor com aquilo que a natureza ofertou para você. Tire o melhor partido da situação.

Não há a necessidade, aliás, de lava-los (os cabelos) todos os dias. Porque no dia seguinte da lavagem, ou até dois dias depois, dependendo da textura do cabelo, os fios ganham um peso que faz com que eles tenham um belo volume, quando presos em um coque. 
*Revelado o segredo do cabelo oleoso charmoso.


Há livros que você relê sempre e cujo sentido muda à medida que sua vida muda.

(sobre o amor)... Tanto em Paris, como em qualquer lugar é bom saber desconstruir certezas para conseguir apaixonar-se.

Esteja sempre pronta para transar. Domingo de manhã na padaria, ao comprar cigarros no meio da noite, ou esperando as crianças na frente da escola. Nunca se sabe.

Quando o 'mau gosto' é indiscutível: em uma festa perguntar a uma pessoa 'o que ela faz da vida
*Um comentário sobre esta colocação: Quando li isso lembrei daquele personagem do Adão "O Homem Legenda". Ele poderia aparecer quase toda vez que esta pergunta é feita, principalmente em São Paulo. Ele a traduziria para: "Com quem você se relaciona"? e/ou "Quanto dinheiro você ganha"?. A questão costuma ser colocada antes mesmo de "Como você se chama"? e também ocorre muito flexionada no gerúndio: "O que você está fazendo"? A qualidade da resposta costuma definir o futuro promissor ou efêmero dos envolvidos no diálogo.

Você não é definida por essa etapa passageira da sua vida. Essa etapa só acrescenta. Você é uma mulher grávida, o que significa que você continua a ser mulher. Mas com esse detalhe a mais.

Eis o segredo da parisiense, o que mantém suas bochechas rosadas e o sorriso em seus lábios. Seu amor pelo amor.

Você é anônima em sua cidade, sem identidade, idade ou profissão. Pode retomar o controle remoto da sua vida. Sentir a pulsação do seu coração, respirar, ouvir a si mesma. Não fazer nada, fazer tudo. Saborear estes momentos roubados. Eles ajudam a organizar os pensamentos, e pertencem exclusivamente a você: você é a única responsável pela sua vida.


Conclusão
As sensações descritas no livro são comuns a muitas mulheres, que se identificaram, ou se projetaram nestas quatro parisienses. Por isso o sucesso. 

O tão celebrado estilo de vida das parisienses revela nas entrelinhas uma relação harmônica das mulheres com a cidade e a com a sociedade na qual vivem. 

No último evento do WGSN uma das macro tendências globais apresentadas foi o neo feminismo. Segundo o escritório, não se trata apenas de ativismo e se firma como uma tendência de comportamento.  De certa forma, este livro é um item que ajuda a engrossar este coro.

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Já que as listas estão em voga: Três invejas que tenho das parisienses: (1) elas podem comprar o básico chique da Comptoir de Cotonniers, inclusive na ponta de estoque e em brechós (2) têm o Centro George Pompidou a disposição (3) têm a possibilidade de cruzar o Louis Garrel na rua - quem viu o filme "Em Paris" vai entender melhor do que estou falando. Aliás, ele tá no filme "Saint Laurent", que é simplesmente imperdível.

<3

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Aconteceu em Paris
Estava em um café charmoso por fora, e levemente sujinho por dentro na Republique em Paris. A garçonete usava uma blusa de tricô com os botões deslocados para as costas. Bem charmosa. Cobicei. Perguntei à ela pausadamente (em francês): "Vocês têm wi-fi?". A garçonete respondeu. "Se a gente tem o quê??". Aí expliquei que gostaria de conectar meu celular à internet. Ela respondeu "ah! Você quer 'uí-fí'!!. Tinha dito "uai-fai", com a pronúncia em inglês. Proposital falta de compreensão ao inglês. Este caso somado a tantos outros relatos parecido formaram os clichê: "parisiense despreza o inglês". Paris, é, talvez, o berço dos clichês e seus habitantes sabem tirar proveito deles.

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Em tempo, estava programando este post desde o ano passado e por casualidade o publico em meio as notícias sobre o horrível atentado contra o Charlie Hebdo. Paris sendo noticiada justamente pela falta de harmonia que vive atualmente. Esperamos que isso não se consolide como um clichê para os parisienses, e que as três palavrinhas mágicas - "liberdade, igualdade e fraternidade"- vençam o medo, sem precisar (como na Revolução Francesa) cortar cabeças.

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Ah! Não sou muito fã de comemorações de aniversário, mas hoje este humilde espaço completa 9 (nove!!!) anos.

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