Letras, imagens e opiniões de Bob Wolfenson

Bob Wolfenson escreve bem. É dono de um texto preciso. Sempre admirei suas fotos de moda, contudo, foi quando li seus textos em dois livros sobre um de seus mestres, Otto Stupakoff, que fiquei mais curiosa. Como se suas palavras complementassem um discurso que começa na imagem. Se gosta de escrever? “Sim gosto muito. Consegui escrever um livro inteiro: ‘Cartas a Um Jovem Fotógrafo’“. Em seu site é possível ler alguns artigos de sua autoria. Fica o estímulo para novos textos. Contudo, foram os cliques que renderam notoriedade. O mundo da moda lhe deu régua, compasso e prêmios. Também é um retratista requisitado, e contundente em evitar rótulos.

Autorretrato. © Bob Wolfenson


Divide seu tempo entre revistas, catálogos e sempre encontra um tempinho para se dedicar aos seus projetos pessoais como a recente série “Apreensões”. O fotógrafo comanda a S/Nº, que está na 14ª edição. A revista tem uma pitadinha de moda. Traz a bela Gisele Bündchen nua na capa. Privilégio de pouquíssimos profissionais da fotografia. A publicação reúne designers, artistas visuais e estilistas, fruto de sua vontade em fazer um trabalho diferenciado e multidisciplinar. A última edição compila nomes e temas bastante heterogêneos, da veterana Maureen Bisilliat ao jovem Marcio Simnch, para citar dois colegas de profissão.

Bob Wolfenson vai dividir sua riquíssima vivência na fotografia em uma palestra e um workshop (com lista de espera) no Paraty em Foco. Na entrevista a seguir ele responde perguntas sobre a S/Nº, sobre fotografia de moda e seus trabalhos autorais e, expõe suas opiniões, sem meias palavras. Ao ponto. Como seu texto. Como suas fotos.

O que te atraiu e te atrai na fotografia de moda?
Esta é uma boa pergunta que me faço sempre. Acho que foi um pouco porque minha iniciação tenha sido num estúdio, onde se fabricavam imagens. Foto de moda é um teatro. Uma dramatização que pressupõe: uma direção, uma concepção. Esta interferência no que vai ser fotografado sempre me instigou. Nesse sentido a fotografia encenada, seja ela qual for é quase uma anti-fotografia. Levando-se em conta as premissas mais puristas que privilegiam o instante e a representação da realidade. Os fotógrafos mais companheiros que formam uma comunidade fechada num gueto execram este tipo de atividade. Mas, eu por ter nascido num gueto, detesto a ideia de pertencer a algum tipo de comunidade ou a um pensamento alinhado com os ditames mais ideológicos. Xi! Fiz um manifesto. De todo modo, uma coisa boa em fotografar moda é o espaço físico de publicação, há uma disponibilidade grande de páginas pra que você possa contar sua história.

Revista Vogue Brasil Maio 2010. © Bob Wolfenson

Na realização de uma foto de moda como é a conversa prévia e divisão do trabalho entre você, o stylist e o editor de moda ou dono da marca na hora do clique?
Bom, isso tudo é muito diverso, cada trabalho é de um jeito diferente. Em geral, editoriais de moda são coisas pensadas entre: a editoria da revista, o stylist e o fotógrafo. O que defendo sempre é que tem que haver uma sintonia de desejos entre todos. Ou seja, eu não posso ser chamado para simplesmente executar uma pauta onde está tudo já pré-determinado. O que muitas vezes ouço, e compreendo, mas não consigo nem fazer, é que a leitora de tal revista não aceita certos tipos de fotografia. Porém, trabalhos mais comerciais de moda em que há uma marca por trás, que encomenda um trabalho, o processo é outro. Nestes casos você é chamado não como autor, mas como alguém que detém uma expertise de realização de muitos desejos e sabe fazê-los convergir todos nesta realização.

Como você distribui seu tempo para se dedicar aos projetos pessoais?
Quanto mais se trabalha mais tempo se tem, esta é uma máxima recorrente por aí. Advogo a ideia de transitar, estar em várias disciplinas, muitas vezes sou mal recebido por não pertencer a determinados grupos, porém, não me incluo em nenhuma corrente e em nenhum grupo. Sou independente. Neste momento, ou melhor, de uns anos pra cá, tenho tido a oportunidade de me viabilizar e inventar meus próprios trabalhos e como não vivo circunscrito ao mundo da moda. Penso a vida e a existência deste lugar que é o Brasil nesta época na qual vivo e a minha inserção neles. Obviamente transformar isto em fotografias é que é a questão.

O que você gosta de explorar nos seus trabalhos autorais, tanto em temas quanto na técnica?
Os temas são sempre ligados à experiências pessoais minhas. Não conseguiria fazer algo sobre o urso polar, ou comunidades retirantes do Sudão. A não ser que fosse posto por circunstâncias profissionais em contatos com estas realidades. Gosto de ser brasileiro e nunca gostei muito de fotos de viagens, acho que soa meio cabotino, apesar de meu trabalho Cinepolis explorar um pouco este tema de transitar pelo mundo. Mas sinceramente acho meio cafona, eu mesmo já fiz, ter uma foto e embaixo escrito Nova York, Paris, Tóquio ou coisa que o valha. O desenvolvimento das novas tecnologias de ampliações digitais inaugurou de certa forma estes meus trabalhos mais autorais. Nos: “Antifachadas, “A Caminho do Mar“, “Cinepolis“, e “Apreensões”, me utilizei largamente dos processos digitais que propiciam grandes formatos e altíssima resolução.

Carrinho com armas, 2010. Parte do projeto 'Apreensões'. © Bob Wolfenson


Como surgiu a idéia do trabalho de “Apreensões”? O tema é delicado, encontrou dificuldades para fazer as fotos?
Fiz uma citação no prólogo da mostra e do livro das” Apreensões”, de um trecho da canção “Estrangeiro” de Caetano (Veloso), na qual diz, se referindo à Baía da Guanabara, que está “cego de tanto vê-la”. É exatamente isso que acontece com alguém que se naturaliza com as coisas que vê muito: não as enxerga mais. No caso das “Apreensões” havia conhecido o trabalho do fotógrafo canadense Robert Polidori que esteve em Chernobil e depois em New Orleans fotografando os escombros dos 2 megadesastres. A ideia de fotografar estes assuntos a partir deste viés menos informativo e mais pessoal e pôr luz em algo que, no turbilhão de notícias trágicas as quais somos assomados sempre se perdem, me tocou e o trabalho das “Apreensões” me veio todo à cabeça. Ao fazê-lo em grandes formatos e muita definição, não procurei o belo. Seria um desrespeito ao assunto.Procurei ressaltar aspectos intrínsecos dos objetos apreendidos cheios de significados que se multiplicaram ainda mais quando postos no conjunto.



Por que você resolveu criar a revista S/Nº?
A revista S/Nº nasceu da pretensão que nós tínhamos (Bob Wolfenson e Helio Hara) de nos diferenciarmos das publicações mais oficiais. O que sentíamos e sentimos até hoje é que há uma defasagem muito grande entre o que suponho, os fotógrafos e criadores de imagem podem fazer e o que de fato se publica por aí. Tanto é assim, que mesmo não remunerando os nossos colaboradores somos procurados por toda sorte de profissionais ligados à produção de imagens. O próprio nome S/Nº, veio neste sentido de dar oportunidade aos “sem números“, ou seja, aos que nunca publicaram ou que não tenham expressão na mídia.

Como é feita a seleção dos trabalhos que integram a revista? Qualquer pessoa pode contribuir?
Desde que o trabalho seja aprovado por nós editores. O que envolve também uma dose de subjetividade importante. Outro fator importante é que os trabalhos tenham relevância e conexão com o tema da vez.

Você costuma olhar publicações de moda?
Costumo sim, mas não compulsivamente. Gosto da W americana, da Love, Pop, Purple, Numero, Another Magazine e Vogues em geral. Na verdade, me inspiro muito mais em tudo que vejo por aí, filmes, livros, meu entorno, do que especialmente nas publicações de moda.

Existe algum tipo de treino para o olhar do fotógrafo?
Acho isso bobagem, não existe treino pra olhar. Talvez exista o fazer, trabalhar, realizar isso é que te dá treino e cancha. Afora o fluxo da vida transformado em arte quando é possível.

Quem se interessa por fotografia de moda precisa olhar fotos do Bob Wolfenson e de quais outros fotógrafos…
Fotógrafos como Richard Avedon, Irving Penn, Helmut Newton, Herb Ritts, Gui Bourdin, Annie Leibovitz, Steven Meisel, Bruce Weber, Horst, Cecil Beaton, Hoyneguen- Huene e muitos outros, são imprescindíveis à formação. No Brasil nomes como Otto Stupakoff, Tripoli, Miro, JR Duran, Gui Paganini, já fazem parte da nossa pequenina história da moda. Seria bom que jovens tivessem contato com suas obras.

Você está acostumado a clicar as últimas tendências da moda, mas e você, como gosta de se vestir?
Sou básico: jeans, tênis, camiseta. De vez em quando me arvoro a tentar ser elegante, mas não consigo muito.

Você vai dar palestra e workshop no Paraty em Foco. Como é trocar experiências com jovens fotógrafos ávidos por aprender pelo menos um pouco do que você sabe?
Gosto de dar palestras, falar sobre minha trajetória e trabalho, pois realmente é do que sei falar e tenho autoridade sobre. Quanto a Workshops já tenho um pouco mais de preguiça, pois é uma situação sempre artificial esta da aula prática. Porém, se eu fosse jovem adoraria aulas práticas e matar a curiosidade de encontrar alguém que admiro.

Info:

“Apreensões”
Centro Universitário Maria Antonia – USP
até 10 de outubro
terça à sexta, das 10 às 21h
sábados, domingos e feriados, das 10 às 18h
entrada franca
Rua Maria Antonia, 294 Vila Buarque
01222 010 São Paulo SPtel 11 3255 7182
fax 11 3255 3140
mariantonia@edu.usp.br

Texto originalmente publicado no blog do Paraty em Foco por garapa.org


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