Um dos elementos que mais me chama a atenção em um desfile é a “inspiração”. Em outras palavras é o tema que cada criador escolhe como fio condutor de sua coleção.
Na hora de explicar o assunto surgem relatos que eu adoro, tipo: “a minha mulher viajou para África, mas na volta seu avião parou no Caribe onde encontrou um russo. Os dois se apaixonaram loucamente. Dessa confluência de culturas eu tirei as texturas, as estampas e a modelagem da minha nova coleção“. Só para esclarecer “a minha mulher” citada pelo estilista fictício não é sua esposa, e sim uma imagem de moda que ele construiu e gostaria de difundir trazendo resultados comerciais satisfatórios.
Estereótipos a parte, essas histórias que contam revelam muito sobre o repertório dos designers. É muito curioso observar a maneira que transformam o tema em roupas. Alguns estilistas traduzem explicitamente seu assunto primordial por meio de formas, estampas, acessórios. Outros nem tanto.
Aqui vão alguns exemplos da temporada inverno 2009 do São Paulo Fashion Week:
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RONALDO FRAGA costuma se inspirar em temas bem brasileiros ( e mineiros, por que não?) e esse ano foi responsável pelo desfile mais emocionante da temporada. Ele ousou trocar os modelos na flor da idade, por idosos e crianças. No cenário, a peça final do quebra-cabeça: as marionetes do grupo mineiro Giramundo. O traçado central é o espetáculo “GIZ”, criado por Álvaro Apocalypse, fundador do Giramundo, em 1988. O espetáculo fala do novo e do velho, retratando a passagem do tempo como o começo e o fim de traço de giz. E assim foi na passarela. Ronaldo provou que suas roupas são atemporais como a mensagem do espetáculo de bonecos.
Vale lembrar outras inspirações de Ronaldo: Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Tom Zé, Nara Leão, Rio São Francisco e a China, que surpreendeu à todos. Mas nenhum foi tão emocionante quanto esse.
A marca de cosméticos Natura, bem esperta, ofereceu como brinde dois potes de creme anti-idade chronos para o povo da primeira fila. Um rapaz que estava sentado do meu lado sussurrou “tenho medo de envelhecer”. Espero que depois do show ele tenha saído mais preparado para confrontar o inevitável. E ele já tinha dois potes de creme para amenizar.
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Na HUIS CLOS o inverno 2009 rompe a costumeira elegância discreta da grife. Os comprimentos subiram, as silhuetas se ajustaram, mas a elegância está lá, intocável. Esse toque de femme fatale veio de divas do cinema como Marlene Dietrich e Katherine Hepburn. Geração de cinema que consolidou o glamour. A diretora de criação Sara Kawasaki pesquisou profundamente o livro “The Power of. Glamour” escrito por Annete Tarpet (dá para ver algumas páginas na Amazon).
O reflexo mais óbvio dessa base teórica - as luvas longas, sexy no ato. Aí Holywood.
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Marcelo Sommer com sua grife DO ESTILISTA trouxe para a passarela desenhos da Holanda. O país foi seu norte para essa coleção. O desfile teve muito azul. Nas estampas flores que remetem aos famosos campos locais; moinhos, outro souvenir holandês, e reproduções dos azulejos de Delft, cidade no sul do país. Na passarela ele colocou equipamentos de academia de ginástica numa metáfora para a vida agitada da cidade. Dizem que o azul acalma.
Ah! Lembrei de uma coisa.
A cidade de Delft foi onde viveu no século XVII o pintor holandês Johannes Vermeer, autor do quadro “Moça com o brinco de Pérola”. Na versão cinematográfica do pintura, onde a senhorita em questão era uma então estrela em ascensão Scarlet Johanssen, há uma cena muito bonita em que ela prepara a tinta para o artista e o pigmento que salta aos olhos é justamente o azul.
Marcelo Sommer tem blog também - http://marcelosommer.blogspot.com/
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O desfile da NEON foi inspirado em festa. A apresentação da coleção foi linda, como um desfile de alta-costura antigo. Porém, para mim nada foi mais divertido do que o look brigadeiro. Festa infantil também dá samba.
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A lenda: “A Índia Naiá se apaixonou pela Lua e vendo-a refletida num lago mergulhou julgando que a encontraria. A Lua emocionada com tal gesto transformou a Índia em uma flor, a Vitória - Régia, tão presente na Amazônia.
O traço de FABIA BERCSEK é urbano, e por isso a inspiração em uma lenda Amazônica causa estranhamento num primeiro momento. Na passarela a flor aparece nas cabeças, e a cor rosa de suas pétalas em muitas peças, a Índia figura na estampa, e a essência da estilista está lá sem abalos florestais. A Lua saltitou no começo da passarela. Era uma amiga de Fábia. Criatividade em tempos de crise.
***
O mais internacional dos estilistas brasileiros , ALEXANDRE HERCHCOVITCH, sempre traz um conjunto de inspirações não necessariamente sensatas entre si. Mistura Hello Kitty com Carmen Miranda, flores com graxa, tribo africana com punk e por aí vai. Para o inverno 2009 ele mistura “cabaré dadaísta, musas cubistas e punk alemão (principalmente de Berlim)”. Nonsense na teoria, sensato e harmônico, e sobretudo desejável, na prática. A mistura de temas é a mistura de tecidos, acabamentos e proporções numa mesma peça. Ou pode ser sintetizado nas estampas preenchidas, por cores, rebites, e paetês. E as máscaras de dormir como faixas de cabelo? Estou sonhando acordada por uma.
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O coletivo carioca OESTÚDIO trocou a trilha sonora pelo poema “A Bolha” de Paulo Rabello de Castro. O desfile teve um vaso sanitário soltando bolhas de sabão na ponta da passarela. A coleção chama “Fashionz´olhos” e questiona a Cegueira Social. O brinde, uma bolsa da Eastpak escrita “life is pain” - vida é sofrimento. A coleção, contudo, oferece texturas e formas apropriadas aos cegos. O conforto grita para os que enxergam. Assim, nada de sofrer. A maquiagem de algumas modelos ressalta um olho. Certeira.
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A inspiração da SIMONE NUNES é uma dessas historinhas de viagem que exagerei no começo. Copio aqui um trecho do release para vocês entenderem.
“O inverno de Simone Nunes surge com peças pesadas e quentes, porém tropicais em suas referências. É como se os habitantes do Havaí tivessem se mudado para o Alasca. As cores cinza, marinho e preto foram usadas como base para aplicações e bordados coloridos em formato de coqueiros, tucanos, araras, hibiscos e cajus”.
Aí na passarela malhas de lã bem quentinhas com estampas tropicais. Faz sentido, né?
Na hora de explicar o assunto surgem relatos que eu adoro, tipo: “a minha mulher viajou para África, mas na volta seu avião parou no Caribe onde encontrou um russo. Os dois se apaixonaram loucamente. Dessa confluência de culturas eu tirei as texturas, as estampas e a modelagem da minha nova coleção“. Só para esclarecer “a minha mulher” citada pelo estilista fictício não é sua esposa, e sim uma imagem de moda que ele construiu e gostaria de difundir trazendo resultados comerciais satisfatórios.
Estereótipos a parte, essas histórias que contam revelam muito sobre o repertório dos designers. É muito curioso observar a maneira que transformam o tema em roupas. Alguns estilistas traduzem explicitamente seu assunto primordial por meio de formas, estampas, acessórios. Outros nem tanto.
Aqui vão alguns exemplos da temporada inverno 2009 do São Paulo Fashion Week:
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RONALDO FRAGA costuma se inspirar em temas bem brasileiros ( e mineiros, por que não?) e esse ano foi responsável pelo desfile mais emocionante da temporada. Ele ousou trocar os modelos na flor da idade, por idosos e crianças. No cenário, a peça final do quebra-cabeça: as marionetes do grupo mineiro Giramundo. O traçado central é o espetáculo “GIZ”, criado por Álvaro Apocalypse, fundador do Giramundo, em 1988. O espetáculo fala do novo e do velho, retratando a passagem do tempo como o começo e o fim de traço de giz. E assim foi na passarela. Ronaldo provou que suas roupas são atemporais como a mensagem do espetáculo de bonecos.
Vale lembrar outras inspirações de Ronaldo: Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Tom Zé, Nara Leão, Rio São Francisco e a China, que surpreendeu à todos. Mas nenhum foi tão emocionante quanto esse.
A marca de cosméticos Natura, bem esperta, ofereceu como brinde dois potes de creme anti-idade chronos para o povo da primeira fila. Um rapaz que estava sentado do meu lado sussurrou “tenho medo de envelhecer”. Espero que depois do show ele tenha saído mais preparado para confrontar o inevitável. E ele já tinha dois potes de creme para amenizar.
***
Na HUIS CLOS o inverno 2009 rompe a costumeira elegância discreta da grife. Os comprimentos subiram, as silhuetas se ajustaram, mas a elegância está lá, intocável. Esse toque de femme fatale veio de divas do cinema como Marlene Dietrich e Katherine Hepburn. Geração de cinema que consolidou o glamour. A diretora de criação Sara Kawasaki pesquisou profundamente o livro “The Power of. Glamour” escrito por Annete Tarpet (dá para ver algumas páginas na Amazon).
O reflexo mais óbvio dessa base teórica - as luvas longas, sexy no ato. Aí Holywood.
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Marcelo Sommer com sua grife DO ESTILISTA trouxe para a passarela desenhos da Holanda. O país foi seu norte para essa coleção. O desfile teve muito azul. Nas estampas flores que remetem aos famosos campos locais; moinhos, outro souvenir holandês, e reproduções dos azulejos de Delft, cidade no sul do país. Na passarela ele colocou equipamentos de academia de ginástica numa metáfora para a vida agitada da cidade. Dizem que o azul acalma.
crédito: Márcio Madeira/ First View para blog Lilian Pacce
Ah! Lembrei de uma coisa.
A cidade de Delft foi onde viveu no século XVII o pintor holandês Johannes Vermeer, autor do quadro “Moça com o brinco de Pérola”. Na versão cinematográfica do pintura, onde a senhorita em questão era uma então estrela em ascensão Scarlet Johanssen, há uma cena muito bonita em que ela prepara a tinta para o artista e o pigmento que salta aos olhos é justamente o azul.
Marcelo Sommer tem blog também - http://marcelosommer.blogspot.com/
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O desfile da NEON foi inspirado em festa. A apresentação da coleção foi linda, como um desfile de alta-costura antigo. Porém, para mim nada foi mais divertido do que o look brigadeiro. Festa infantil também dá samba.
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A lenda: “A Índia Naiá se apaixonou pela Lua e vendo-a refletida num lago mergulhou julgando que a encontraria. A Lua emocionada com tal gesto transformou a Índia em uma flor, a Vitória - Régia, tão presente na Amazônia.
O traço de FABIA BERCSEK é urbano, e por isso a inspiração em uma lenda Amazônica causa estranhamento num primeiro momento. Na passarela a flor aparece nas cabeças, e a cor rosa de suas pétalas em muitas peças, a Índia figura na estampa, e a essência da estilista está lá sem abalos florestais. A Lua saltitou no começo da passarela. Era uma amiga de Fábia. Criatividade em tempos de crise.
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O mais internacional dos estilistas brasileiros , ALEXANDRE HERCHCOVITCH, sempre traz um conjunto de inspirações não necessariamente sensatas entre si. Mistura Hello Kitty com Carmen Miranda, flores com graxa, tribo africana com punk e por aí vai. Para o inverno 2009 ele mistura “cabaré dadaísta, musas cubistas e punk alemão (principalmente de Berlim)”. Nonsense na teoria, sensato e harmônico, e sobretudo desejável, na prática. A mistura de temas é a mistura de tecidos, acabamentos e proporções numa mesma peça. Ou pode ser sintetizado nas estampas preenchidas, por cores, rebites, e paetês. E as máscaras de dormir como faixas de cabelo? Estou sonhando acordada por uma.
***
O coletivo carioca OESTÚDIO trocou a trilha sonora pelo poema “A Bolha” de Paulo Rabello de Castro. O desfile teve um vaso sanitário soltando bolhas de sabão na ponta da passarela. A coleção chama “Fashionz´olhos” e questiona a Cegueira Social. O brinde, uma bolsa da Eastpak escrita “life is pain” - vida é sofrimento. A coleção, contudo, oferece texturas e formas apropriadas aos cegos. O conforto grita para os que enxergam. Assim, nada de sofrer. A maquiagem de algumas modelos ressalta um olho. Certeira.
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A inspiração da SIMONE NUNES é uma dessas historinhas de viagem que exagerei no começo. Copio aqui um trecho do release para vocês entenderem.
“O inverno de Simone Nunes surge com peças pesadas e quentes, porém tropicais em suas referências. É como se os habitantes do Havaí tivessem se mudado para o Alasca. As cores cinza, marinho e preto foram usadas como base para aplicações e bordados coloridos em formato de coqueiros, tucanos, araras, hibiscos e cajus”.
Aí na passarela malhas de lã bem quentinhas com estampas tropicais. Faz sentido, né?
Então quer dizer... meio rebinboca da parafuseta.
ResponderExcluirMuito bom, a criatividade das pessoas às vezes chega a extremos interessantes, o Alexandre tem o dom de mistura cada coisa e surgirem maravilhas...
ResponderExcluirAbraço
Olá!
ResponderExcluirSou nova no blogger
assim como você(s), sou apaixonada por moda
e adoraria se pudéssemos compartilhar nossos pensamentos!
Grata!
Oi, descobri seu blog por acaso, e jah linkei, rs
ResponderExcluirmto bom aqui, gostei do seu ponto de vista sobre os ultimos desfiles e o diario de bordo da espanha, mto informativo e interessante.=D
Bjsss
Nesse assunto, ninguém melhor que John Galliano!
ResponderExcluira inspiração,historia, imagem ou mensagem, que o criador transmite.
ResponderExcluira realidade reinterpretada, moldada em tecido.
a linguagem artistica, expressa pelo vestuario.
é fascinante!
moda, é arte.